3.6.11

23:45

Quando vai chegando a hora de dormir fica bem pior. Durante o dia eu vou à aula, brinco com as crianças, leio textos, entrego resenhas... na hora de dormir dói, e dói dor mesmo. O peito aperta e tenho a impressão de que deveria tomar algum remédio, mas logo lembro que já vai passar...

Antes, pouquinho antes de o meu sono chegar, ele costumava vir, eu já de olhos fechados e ele beijava minha nuca, bem perto dos cabelos. Eu me virava para ele e nos olhávamos bem de perto. Então eu passava a mão no seu cabelo por alguns minutos e dormia. Ele estava sempre aqui, em algumas semanas três ou quatro dias, às vezes ficava mais de um mês sem vir. Nesse um ano, ou pouco mais que isso, eu tive alguns amores-relâmpagos, tive um namorado que não consegui amar, beijei caras que nunca mais vi e o tive permeando minha cabeça, oras mais, noutras menos.


Desiludir é uma palavra muito forte, não foi isso. Foi um desvelar. Eu recebi um não doce e delicado. Ele me deixou passar a mão nos seus cabelos em troca de ouvir detalhes do meu amor platônico. E contei. Contei que ele atrapalhou, em parte, meu namoro mal sucedido, contei que quando o esquecia um pouco, ele me aparecia em sonhos, contei que morri de inveja uma vez que vi uma mulher passando a mão no seu cabelo e contei o quanto me sentia patética com um amor platônico aos 30 anos. Ele ouviu tudo, envaidecido, por mais que dissesse que não, e fez o discurso clássico: não, agora não. Eu, da melhor forma que sei fazer, ironizei a minha dor e instituí que aquele seria então meu último dia para gostar dele.

Me deu carona de taxi, me deixou deitar no seu ombro e fazer carinho na sua mão. Me abraçou. Foi nossa despedida. Ele não sabe que bastaria me dar um beijo, que eu sou da roça e ando a paços lentos. Foi difícil, mas deixei pra chorar em casa, as duas e tal da madrugada, sentada na sala sem conseguir sequer trocar de roupa e dormir.

Desvelar é a palavra, tirar o véu, revelar.

Agora é só esperar que a dor passe logo pra poder olhar isso tudo com o distanciamento necessário pra achar que foi tudo uma história linda, um romance anos 50 perdido nos dias atuais.