16.10.07

Cabimento
Arnaldo Antunes
como uma agulha cabe numa caixa de fósforos
ou num caixão
num palheiro num jardim no bolso de uma pessoa
na multidão
caminhão montanha tudo cabe em seu tamanho
tudo no chão
hoje eu caibo nesse mesmo corpo que já coube
na minha mãe

minha mãe
minha avó
e antes delas minha tataravó
e antes delas um milhão de gerações distantes
dentro de mim

um lugar
num porão
uma cama num colchão
como um átomo num grão
uma estrela na galáxia

como a bala de revólver cabe no revólver
cabe também
numa caixa num buraco bem no centro do alvo
ou em alguém
onde cabem coração cabeça tronco e membros
soltos no ar
como cada gesto cabe no seu movimento
muscular

só nós dois
meu amor
não cabemos em mim ou em você
como toda gente tem que não ter cabimento
para crescer
(Gosto dessa música porque não sei se ela é triste ou feliz. Gosto porque faz sentido, muito sentido pra mim. Gosto de Arnaldo porque me faz sentir inteligente, diferente e escolhida. Gosto porque muita gente não gosta. Gosto porque pessoas em especial não gostam. Coisas minhas. Defesas minhas. Maluquices minhas.
Pensei um tanto hoje sobre invasores, pestes, agressores. Como não se deixar dominar por algo que te faz mal? Também não sei se dominar seria a palavra certa. Comer tem me feito mal, muito. Comer muito e muito mal. Pessoas que ocupam mais espaço que lhes foi permitido...
Acho que, por isso, essa música. Coisas que se encaixam, que cabem, que não tem cabimento. Por isso Arnaldo, sempre.)