2.10.08

Minhas memórias de infância ficam em outra casa que não é esta daqui. Ficam num universo distante, onde aniversário era sinônimo de painel colado na parede da varanda, preso com muitas rodinhas de fita crepe.
No universo distante dos aniversários de 3 de outubro, a casa amanhecia diferente. Naquela manhã eu já sabia que, em alguns casos, por muita insistência nos dias anteriores, talvez eu pudesse faltar aula. Sabia que a madrinha da minha irmã emprestaria um daqueles painéis enormes das festas ricas da cidade, que ela sempre decorou, pra minha mãe colar na parede da varanda e enfeitar uma mesa pra colorir também a minha festa. Sabia que se, por muito azar minha mãe não me deixassem faltar aula, iriam cantar “com quem será” na escola e eu odiaria tudo isso.
Via a casa sendo limpa e as toalhas de mesa e paninhos dos móveis sendo trocados. Então esperava o dia anoitecer, colocava uma roupa boa, que às vezes vovó fazia pra mim, e esperava as pessoas chegarem com os presentes, porque, sem hipocrisia, eu queria mesmo era que tivesse muita criança e muito presente! Pra minha mãe eu pedia sempre o último disco da Xuxa, e sempre ganhava.
Os discos eram tocados enquanto eu corria até ficar completamente suada, descabelada e descomposta. Minha mãe me chamava num canto, tentava me arrumar, e aglomeravam-se as pessoas em volta da mesa pra cantar “Parabéns”. Doida pra que aquilo acabasse logo, eu só esperava pelo momento de finalmente comer os docinhos!
Então todos começavam a ir embora. Eu re-revirava os presentes e os separava por categorias - roupas, meias, canetas, brinquedos – desocupava a cama, isso significava enfiar tudo de qualquer maneira no guarda-roupa, olhava tudo bagunçado mais uma vez, e dormia.
No meu mundo real e atual eu não falto mais aula, não todos os anos, não vejo o dia amanhecer diferente nem colo painéis nas paredes. Eu acordo sozinha, tomo banho e vou fazer o que tiver pra fazer. Às vezes fico triste e noutras acho que tá bom assim. Nesse ano eu não vou fazer bolo e comer sozinha, como já fiz muito, e não o farei porque os doces me foram proibidos, mas porque não faz mas sentido algum comer bolo em casa me achando a pessoa mais solitária da terra.
Se Deus existe, nesses últimos 12 meses ele decidiu assoprar purpurina em mim. Por mais desanimada que fique, tenho tido muitos motivos pra acreditar que no fundo do meu poço tem uma mola muito grande, que de tão comprimida me projetou pro alto com muita força.